Numa noite de 1992 quando estava em casa assistindo ao Jornal Nacional, nesta época ainda morava em Fortaleza, fui pego de surpresa com a notícia da morte de um dos maiores compositores brasileiros – Herivelto Martins – Confesso que chorei. Recentemente a Editora Globo lançou o livro Minhas duas estrelas, escrito por ninguém menos que Pery Ribeiro, filho de dois monstros da nossa música – o citado Herivelto Martins e da maior interprete de todos os tempos – Dalva de Oliveira. É a história deles que Pery conta no livro.
Pery Ribeiro, que levou nove anos para escrever o livro onde faz uma viagem no tempo de sua infância quando dos seis aos treze anos, sua idade quando seus pais se separaram, viveu o que ele chama de “inferno pessoal” e que segundo Pery levaria anos e muito dinheiro com psicanálise para se recuperar dos traumas profundos vividos naquela época quando presenciava as brigas homéricas dos pais.
Muitas vezes ao chegar em casa perguntava pela mãe ou pelo pai, ouvia dizer que “Herivelto foi pro hospital levar uns pontos na testa por causa de um cinzeiro jogado pela Dalva” ou “a Dalva foi para delegacia por causa de um soco desferido por Herivelto” e assim por diante. Está tudo no livro, que Pery afirma, por sua incompatibilidade com computadores, fora escrito à mão em cinqüenta cadernos.
Claro que o livro conta também as brilhantes carreiras de Herivelto e Dalva. Ele, compositor de clássicos como Ave Maria no morro (Barracão de zinco, sem telhado, sem pintura, lá no morro, barracão é bangalô...), Praça Onze (Vão acabar com a Praça Onze, não haver mais escola de samba, não vai...), Ela, a intérprete de sucessos como Bandeira Branca (Bandeira branca amor, eu peço paz, pela saudade que me invade, eu peço paz), Máscara Negra (Quanto riso, ó quanta alegria, mais de mil palhaços no salão...) e muitos outros que marcaram época.
O talento dos dois é indiscutível, pois até durante a tumultuada separação, a música esteve presente, ora como desabafo, ora como provocação, isso de ambas as partes. Como por exemplo – Dalva canta “Errei sim, manchei o teu nome, mas foste tu mesmo o culpado, deixava-me em casa me trocando pela orgia, faltando sempre com a tua companhia” (Errei, sim, de Ataulfo Alves); e Herivelto respondia “Não falem desta mulher perto de mim, não falem pra não lembrar minha dor...E agora em homenagem ao meu fim, não falem dessa mulher perto de mim” (Cabelos brancos, dele em parceria com Marino Pinto), mas Dalva levava corda e retrucava “Desse amor quase tragédia, que me fez um grande mal, finalmente essa comédia, vai chegando ao seu final...Já paguei todos os pecados meus, o meu pranto já caiu demais, só lhe peço pelo amor de Deus, deixe-me viver em paz” (Fim de Comédia, Ataulfo Alves), Herivelto não se conformava e vinha com “Não, eu não posso lembrar que te amei, não eu não posso esquecer que sofri...Caminhemos, quem sabe nos vejamos depois...(Caminhemos).
Dalva de Oliveira então pegava pesado cantando “Que será, da minha vida sem o seu calor, da minha boca sem os beijos seus, da minha alma sem o seu calor...” (Que será, de Rossini Pinto) e assim Herivelto arremata com “Teu mal é comentar o passado, ninguém precisa saber o que houve entre nós dois, o peixe é pro fundo das redes, segredo é pra quatro paredes, não deixe que males pequeninos venham transtornar os nossos destinos...Primeiro é preciso julgar pra depois condenar” (Segredo, outra em parceria com Marino Pinto), por ironia a composição foi gravada pela própria Dalva.
A briga duraria alguns anos e mais algumas composições com o Atiraste uma pedra, Bom dia, Camisola do dia, e contou com a intromissão de outros compositores, entre eles, Ataulfo Alves e Lupícinio Rodrigues, sendo o primeiro a favor de Dalva e o segundo, de Herivelto. Para saber mais sobre esta história leia então Minhas duas estrelas.
Humberto Oliveira